sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Diário II - Álvaro

Parece mesmo que as madrugadas insones deste feriado interminável vendo o sol nascer com os olhos vermelhos de fumaça e saudades fizeram com que eu me esquecesse de quantas cartas não enviadas moram na estante do quarto. Os dias se colaram uns aos outros feito páginas de uma revista que a umidade molhou. Foi uma longa despedida, com as mesmas conversas intermináveis que se alternavam conforme eu entrava em cada cômodo da casa.

Agora que o ônibus vai se distanciando da plataforma, gotas grossas caem feito confete no vidro da frente. Prefiro sempre as poltronas 3 e 4 para esticar as pernas e olhar a estrada. Tomei dramin e sei que um sono obssessivo começará em breve, o que ajuda a não pensar ou a pensar sem esforço, sem cavar. A primeira canção que o ipod roda é Wild Horses com The Sundays e acho que quase ensaiei o momento. Olho as casas iluminadas na periferia, torres de usinas no pólo, seis, seis e meia da tarde.

É mesmo desconcertante rever um grande amor.

E agora que tudo findou, preciso ficar mais atento e menos tenso, mais concentrado e andar mais de chinelo, ainda que pareça contraditório, ainda que minhas noites de sono morem em um retângulo de papel azul.

Estranha alegria em estado de supensão. Como aqueles remédios antigos que precisavam ser agitados antes de. Sulfas. Estou com alegria concentrada no fundo, como um licor mal filtrado.

Antes de mergulhar de vez na inconsciência neuroléptica do remédio, ainda olho a estrada e sou tomado por uma tal vontade ser honesto e de tentar viver bem com todos, que chega a ser dolorido, quase físico, como se eu tivesse engolido uma moeda de 50 centavos e as suas bordas rombudas pressionassem meu diafragma. Postes de lâmpadas de mercúrio iluminam acostamentos desertos.

Nem um céu azul me salva da euforia.

Um comentário:

júlia disse...

ó, marco
prazer

achei bem escrito pra cacete
nada mais sintético tenho a dizer por hora