segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Teresa antes do êxtase

Criação às vezes é uma espécie de gestação encruada, psicológica, um fruto que não amadurece, só fica intumescido dentro de você, sem sair e nem sempre você ama o que pare.

Passo um domingo obcecada com a idéia de escrever sobre concursos de dança. Alguma cena vista num filme da madrugada me alerta para a beleza convulsa dos salões de baile iluminados feito parques de diversões enquanto moças e rapazes exaustos se exibem, tudo músculo, tudo suor, tudo reações físicas, tudo música e temperatura e hematomas.

Vou ao image google e minhas retinas doem de tanto mirar as lantejoulas bordadas nos collants, as meias rendadas,as camisas de cetim de seda e lamê. Duas horas e meia de vasculhar fotos, vídeos no you tube (“Carnival” dos Cadigans, “So Pure” da Alanis e trechos de “A Noite dos Desesperados”) e nada ainda surgiu do contato entre os meus dedos e as teclas, na tela do word. Durmo por quase toda a tarde, convencida de que estou com febre. Deve ser alguma virose que peguei do neném.

Domingo à noite. Por mais que eu esprema, nada sai. Na janela, minha respiração se condensa e se confunde com a chuva. Por trás da vidraça, carros, postes e sacadas de prédio viram um quadro impressionista, de limites borrados. O texto dorme comigo, fermenta no meu sono desacompanhado.

Segunda pela manhã chego ao escritório que vive um apocalipse. Tenho uma discussão medonha com uma colega. Entro no banheiro e tomo mais um rivotril para levar o dia até o fim. No almoço, não saio. Sento-me e de uma só vez escrevo:

“É um concurso de dança nos anos 20. Eu e Billie somos o casal nº 3, ex-coristas de um show de hotel. Estamos há três dias sem dormir, nessa nuvem de charleston, éter e cocaína. E somos dois a rodar, dez a rodar, a rodar, a rodar. All that jazz. Suor e purpurina. Os primeiros a cair estão voltando para seus quartos de meia pensão. Tudo ilusão de ótica, jogo de espelhos, montagem. Todo mundo um dia acaba acreditando que é a Lady Ashley de “O Sol também se levanta”. E queremos usar pancake na alma. Antes de dobrar os joelhos sobre a pista, Billie me diz: “Deus me ama, mas não tem nenhum respeito pela minha dor”.

Duas da tarde. Na delicatessen da esquina compro um café expresso e um Bauru. Coloco pimenta. Bebo o café sem açúcar. O ansiolítico parece ter desabotoado algo na minha nuca, flutuo leve para fora desse dia de chuva. Aproveito mais alguns minutos para olhar telefones de escolas de sapateado nas páginas amarelas.

Volto à minha sala e passo a tarde às voltas com textos sobre barragens subterrâneas para retenção de água no semi-árido. Às vezes paro e fico lembrando de coisas como o cheiro de álcool das provas rodadas em mimeógrafos na época da 8ª série. Às 17h bebo mais um café na copa e me tranco no banheiro novamente desta vez para ler a oração às 13 almas benditas, entendidas e esclarecidas que um deficiente físico me entregou no ônibus outro dia. As manias religiosas vão ser o hype da nova estação, aguarde.

18h. Ainda não fomos demitidos. Dou as últimas ligações do dia e desligo o computador.
Em casa, saio do banho às 19h30, a contragosto, perdida em olhar meus olhos vidrados no espelho com o foco de luz jogado bem na cara, vapor de água quente e cheiro de condicionador. Toda intimidade é molhada.

Sento-me diante do computador e um título cai do imponderável: “Nada mudará com um aviso de curva”.

Abro os dois arquivos e não consigo tirar Billie e seu par da pista de dança, nem sei para onde avançar depois deste aviso de curva.

Vou para a cama.

Continua.
Continua.
Continua.

Um comentário:

júlia disse...

ei marco
você se importa que eu diga só de novo: nossa, gosto muito. (?)

adiós niño